📚 Entrevista #3: Renato Sousa Antunes, Head of Marketing & International Markets da Paladin - Triber Newsletter
“Internacionalizar é diferente de exportar e, por cá, ainda olhamos muito para o internacional numa lógica de exportação, de enviar contentores para o maior número de países possível para podermos dizer que estamos em muitos sítios. Mas ser uma marca internacional tem pouco a ver com isso. É preciso internacionalização. E isso significa estratégia, planeamento de fundo e foco no longo prazo.”
Renato Sousa Antunes é focado em estratégia, mas foi o coração a traçar-lhe o percurso no que respeita à formação académica. Estudou Relações Internacionais e Economia na Universidade de Coimbra, fez uma Pós-Graduação em Negócios Internacionais na Universidade de Lisboa e o mestrado em Gestão na Nova School of Business and Economics.
A sua experiência de trabalho não é menos diversificada. Começou na Fundação Francisco Manuel dos Santos e prosseguiu no programa de trainees dos CTT. Foi a vontade de sair do país que o fez embarcar noutro projeto, como responsável de relações externas do processo de internacionalização da Mercadona, entre Valladolid, Valência e Porto. Mas Espanha era perto demais. Em 2018, começou a atravessar o Atlântico: juntou-se ao Grupo Future Healthcare, entre Lisboa e Quito, primeiro como International Key Account Manager e, mais tarde, como responsável do grupo para a América Latina, gerindo negócios no Equador e na Colômbia.
Foi com toda esta experiência e saber acumulados que em 2019 regressou a Portugal, à Casa Mendes Gonçalves e à Paladin, onde atualmente desempenha as funções de Head of Marketing e Head of International Markets. Uma conjugação de funções improvável? Nem por isso, como explica nesta entrevista.
Renato, gostava de começar por lhe pedir para apresentar aquela que é, hoje, a sua “casa” – a Paladin e a Mendes Gonçalves. E que nos diga como nasce a Paladin, um dos casos mais significativos, em Portugal, de afirmação de uma marca nos últimos 10 anos. Se antes não tinha notoriedade, hoje parece que está cá desde sempre.
É verdade, foi relançada nem há uma década e o sentimento é esse, o que é fantástico. Aliás, penso que não existiria a Casa Mendes Gonçalves tal como é hoje – com a relevância que tem – se não tivesse sido feita a aposta na Paladin.
Muitos não conhecem este percurso: a Casa Mendes Gonçalves foi criada em 1982 e, durante muitos anos, o foco foi industrial: produziam-se essencialmente marcas próprias (principalmente vinagres) ou de terceiros. Até que a empresa percebeu que, para dar um salto no mercado dos molhos e condimentos em Portugal, era preciso uma marca e adquiriu a Paladin, em 2005. O reposicionamento começou em 2012 e foi implementado no início de 2013, que foi quando apareceu a gama de molhos da Paladin, com todo este elã que ainda hoje tem, sempre virado para a portugalidade, mas para o Portugal moderno, para o Portugal inovador. Ainda este ano lançámos, por exemplo, o Sacana com Canábis e a Maionese do Mar, que é feita com algas, o que nos transporta para o mar de um Portugal moderno, do surf – uma das tendências da nova portugalidade que está a dar cartas no mundo.
Há imensas empresas que têm produtos fantásticos e que não deram ainda o passo de investir tempo e dinheiro na construção de uma marca…
Sim, já colaborei inclusivamente, numa lógica de consultoria, com algumas empresas nacionais e esse é um erro comum. Não sei quantificar, mas tenho para mim que grande parte do nosso tecido empresarial ainda tem essa lógica de produto e não de marca. E mesmo tendo um produto extraordinário, enquanto não tivermos uma marca, não temos uma oferta de valor acrescentado para o consumidor.
Notámos muito isso nas alturas de crise, em que se reafirmou sempre o papel da marca. Estamos certos disso porque produzimos para os “dois” lados. No entanto, se calhar contra as expectativas, porque há menos dinheiro, em momentos de crise nota-se uma maior resiliência das marcas do que dos produtos mais económicos e sem uma marca forte.
Voltando ao momento em que a Mendes Gonçalves aposta na Paladin, em 2013. Como foi o processo?
Foi um movimento arriscado – porque a empresa estava a entrar num mercado dominado por gigantes multinacionais. Foi assim que percebemos – nós, a
empresa, porque eu ainda não estava cá – que além de ser muito importante ter uma marca, havia espaço para fazer dela algo que não existia em Portugal.
E o que foi isso? Foi um shift do foco na produção para o consumidor. Esse passo foi – é sempre – decisivo: perceber que é o consumidor que nos diz o que é que quer no molho e não nós que definimos o que lá vai. Enquanto não tivermos a humildade de perceber isso, não vamos estar a trabalhar uma marca à séria e não vamos estar a caminhar para um crescimento sustentado.
Numa entrevista ao Jornal de Negócios, em 2016, o administrador da Mendes Gonçalves afirmou que “a componente de marca e de marketing” permitia reforçar a consistência da proposta de valor para o consumidor e “projetar o plano de internacionalização de forma sustentada”. Tem tudo a ver com a sua função…
Cheguei à Casa Mendes Gonçalves e ao desafio da Paladin pela porta do internacional e o Marketing veio depois, precisamente porque se percebeu que nos faltava essa componente de marca e de posicionamento nos nossos mercados internacionais. Ter um portfólio para Portugal e tentar encaixá-lo noutros mercados não funciona. Um dos meus grandes objetivos foi passarmos de uma abordagem de exportação, para uma de internacionalização...
É muito interessante, essa questão da diferença entre exportação e internacionalização, e pode fazer toda a diferença...
É uma das batalhas da minha carreira. Há muito a cultura, em Portugal, de dizermos que estamos em 50 países. Mas será que estamos?
Internacionalizar é diferente de exportar e, por cá, ainda olhamos muito para o internacional numa lógica de exportação, de enviar contentores para o maior número de países possível para podermos dizer que estamos em muitos sítios. Mas ser uma marca internacional tem pouco a ver com isso. É preciso internacionalização. E isso significa estratégia, planeamento de fundo e foco no longo prazo.
Para fazer a internacionalização, ou estás numa multinacional com recursos quase ilimitados, ou tens de começar por definir quais são os teus mercados estratégicos. Não são os tais 50 para os quais exportamos. Naturalmente, continuamos a querer vender o que for possível... Mas numa estratégia de internacionalização temos de escolher os mercados onde sentimos que conseguimos fazer, realmente, a diferença. Se forem só 2, serão só 2 – e não há mal absolutamente nenhum nisso.
Essencialmente porque, quando queremos criar marca noutro país, ter um território de internacionalização a sério, temos de ter budget, de ter os recursos e de ir, muitas vezes, ao mercado. É impossível, de outra maneira, fazê-lo de forma séria – e ainda por cima na área de food, em que a adaptação ao mercado é tão importante.
Por exemplo, o que vai numa garrafa de ketchup da Paladin para Marrocos, não pode ser o mesmo que está nas que consumimos em Portugal. Mas só sabemos isso indo ao mercado, provando a oferta local, fazendo testes de várias receitas com consumidores locais, tudo isto antes de decidirmos o que vamos pôr na nossa garrafa para Marrocos. E quem diz Marrocos diz Rússia, ou qualquer outro país...
Ter vivido noutros países e lidado com tantos mercados internacionais, deve ter sido decisivo para perceber isso.
Culturalmente, é quando estamos fora que enriquecemos mais. Conseguimos ver que há outras formas de olhar para os problemas, para as soluções desses mesmos problemas, e para a vida, em geral. Para mim, que já trabalhei com muitos mercados diferentes do nosso, é curioso que a componente cultural seja tantas vezes esquecida na internacionalização das empresas. E é difícil de transmitir a quem não tem essa experiência…
Mas é mesmo assim: quando queremos construir relações internacionalização, de longo prazo, se não percebermos a dimensão cultural do outro lado, nunca o vamos fazer bem. Temos que nos adaptar àquele com quem queremos comunicar. É decisivo em todos os aspetos, desde a forma de abordagem, a forma como tentamos passar o negócio, até aos detalhes, como os preços e até as cláusulas de um contrato…
Lembra-se de algum exemplo em que esse choque cultural teve um impacto menos bom?
Por exemplo, o que se passou com um cliente nosso, um dos maiores retalhistas de um dos nossos mercados internacionais mais estratégicos.
Há algum tempo que vínhamos trabalhando na melhoria da fórmula de um determinado produto para conseguirmos uma extensão de validade, o que numa perspetiva de internacionalização é especialmente importante.
Quando o conseguimos, não pensámos em avisar este cliente pois, na nossa cabeça, eles haviam pago por um determinado produto e iam receber outro ainda melhor, com mais validade, por isso acreditámos que ficariam gratos por entregarmos mais do que o esperado.
Agora imagine a surpresa que tivemos quando a empresa recebeu uma reclamação e uma coima por… incumprimento do contrato. E, de facto, contratualizámos que o produto tinha 12 meses de validade e o que enviámos tinha mais do que isso...
Enfim, pagámos as coimas e tivemos que, depois, reajustar o contrato e alterar as validades oficialmente, mas é um bom caso do impacto das diferenças culturais.
Isso é muito interessante. Uma tensão que existe muitas vezes é entre as áreas comercial e de marketing, porque há um conflito entre quem está a vender hoje e quem está a construir a marca para amanhã... Há algum exemplo desta tensão que nos possa dar?
Num processo de internacionalização, esta tensão entre marketing e comercial surge, desde logo, quando temos de decidir com que gama vamos atacar um mercado. Em termos comerciais poderia fazer sentido vender ketchup ou mostarda em grandes quantidades, mas em termos estratégicos isso pode não ser o mais interessante para a marca.
Quando selecionamos as gamas para penetração em determinado mercado, temos de ser estratégicos e escolher, nalguns casos, apenas uma. Ou focar-nos mesmo em apenas um único produto, que seja inovador, diferenciador. Se a qualidade estiver lá, o comprador vai perceber isso e vai dizer: “gostámos muito do piri-piri, têm vinagretes ou dressing?...”. Parece um contrassenso, porque numa primeira fase se está a limitar as vendas, mas tem que ser assim se se quer impacto na entrada no mercado.
É inevitável perguntar-lhe o que mudou com a pandemia e o que veio para ficar, em relação às marcas.
Relativamente à marca e à relação com os consumidores, a COVID trouxe uma exigência muito maior. Embora tenhamos ido para casa e ficado fisicamente separados, acentuou-se uma consciência coletiva, de grupo, de que havia coisas mais importantes do que cada um de nós.
E os consumidores tornaram-se mais exigentes em relação às marcas. Exigem perceber o que é que nós fazemos para melhorar o mundo, em termos de responsabilidade social, e de que forma trabalhamos os nossos produtos. Por exemplo, há a questão da redução de sal e de açúcar e uma série de outras coisas que acompanham as tendências já há bastante tempo, mas de cuja importância se falou muito, nesta fase. Acho que ficou este lado bom, que obriga as marcas a serem mais transparentes e a dizer claramente o que estão a conseguir e o que não estão a conseguir fazer em cada momento.
Mas com a pandemia veio outra coisa, muito grave, muito difícil de gerir, e de que apenas agora se começa a falar: um mercado de matérias-primas e de transportes completamente incontrolável, o que não nos permite planear seja o que for. Não falo só dos preços das matérias-primas, que dispararam, falo mesmo da escassez. Estamos a passar para a fase em que não sabemos se no próximo mês vamos ter as matérias-primas necessárias para produzirmos o que queremos oferecer aos consumidores, porque houve uma disrupção completa da cadeia de abastecimentos: não há contentores, não há barcos, não há nada para fazer transportar as matérias-primas.
Pergunta dos Embaixadores Triber
O Embaixadores Triber é um projeto para estudantes que gostem da área de marketing e que querem aprender mais sobre a área. Os candidatos selecionados recebem formações gratuitas dadas pelos profissionais da Triber e são expostos a desafios reais de empresas para aplicarem o seu conhecimento na prática.
Nesta Newsletter, convidamos os Embaixadores a colocarem questões aos entrevistados.
O mundo está sempre a mudar… Que conselho dá a alguém que queira começar agora na área de marketing?
Eu diria que o mais importante é apostar a sério na componente mais estratégica, mais de branding.
O mais importante é que sejamos efetivamente bons naquilo que é a criação de uma marca. Que saibamos o que é um posicionamento, uma segmentação e um targeting. Que consigamos perceber exatamente como é que definimos o público-alvo, como é que comunicamos com ele... Noto que há cada vez menos profissionais desta área que consigam pensar uma marca/produto de A a Z, que consigam definir uma proposta de valor.
O digital, por exemplo, é um canal, apenas um canal. Há muita preocupação com o que o mercado de trabalho está a pedir, em relação a competências específicas que permitam resolver problemas agora. Mas na verdade um marketer deve ser um estratega. Tem de perceber aquilo que se deve fazer com o seu produto para chegar ao seu cliente.
Ter sucesso nesta área depende de um balanço entre estar atualizado nas competências técnicas e não perder de vista o que importa no marketing no sentido mais estratégico e mais profundo.