📚Entrevista #1: Miguel Vasques de Carvalho, Senior Brand Manager no Esporão - Triber Newsletter
Entrevistas de Marketing - Um projeto Triber
“Talvez seja o momento de nos lembrarmos que nós, a natureza, a sociedade, temos um ritmo próprio. Se o acelerarmos demasiado, não vai correr bem para ninguém.”
Miguel Vasques de Carvalho, Senior Brand Manager na Esporão SA, teve um percurso diversificado, feito de projetos “múltiplos” e “especialmente motivadores”.
Ainda frequentou o curso de Engenharia do Ambiente mas, logo no primeiro ano, percebeu que o seu caminho era outro. Mudou para a área da Comunicação, que estudou em Portugal e no Brasil.
Estava apenas no início da viagem. Ainda estudante, estagiou na Leo Burnet, onde veio a trabalhar como Account Manager; passou, depois, para a Brandia Central “uma grande escola”, onde trabalhou marcas como Seguros Logo, Sumol, RTP, Global Notícias ou UEFA; e foi a Brandia que o levou para Angola, onde passou quase cinco anos e desenvolveu valências diversas – da criação de marca à implementação no mercado.
De regresso a Portugal, foi Diretor de Marketing do Banco Privado Atlântico Europa em Portugal, mas rapidamente voltou às agências, no grupo angolano Zwella (hoje grupo Wat), como Diretor de Serviço a Clientes para Portugal, Moçambique e Angola.
Até que, em 2018, surgiu a oportunidade de regressar ao lado do cliente. Começava assim a aventura no Esporão e um período que classifica como “muito feliz”. Por ser uma área em que se sente em casa; pelo posicionamento e produtos da empresa, com os quais se identifica especialmente; por ser “um grande grupo com uma filosofia familiar”; e, ainda, “pelos desafios diários, num mercado em que há uma concorrência feroz”.
O que é que faz como Senior Brand Manager no Esporão?
É muito interessante – não tem nada de rotineiro e, ao contrário do que se pode pensar, não é só trabalho de secretária. Temos contacto com as equipas de enologia, com a área agrícola, vamos às origens, visitamos as quintas – é um trabalho de terreno, o que é muito agradável e nos permite pensar as marcas de uma forma diferente.
Quanto à função, em concreto: a Esporão tem várias origens diferentes na área dos vinhos: a Herdade do Esporão, no Alentejo; a Quinta dos Murças, no Douro; e a Quinta do Ameal, na região dos vinhos verdes. Neste momento sou responsável pela estratégia de marca dos produtos do portefólio da Quinta do Ameal. O que significa que trabalho uma só marca e uma mesma origem, mas quatro vinhos diferentes, que variam em termos de posicionamento, público-alvo, objetivos, estratégia…
O meu trabalho é, precisamente, delinear a estratégia da marca como um todo e conciliar isso com os objetivos específicos de cada produto. Nomeadamente, qual o portefólio, quais os pontos diferenciadores, onde o queremos ter, qual o preço a que está disponível para o consumidor, quais os canais de comunicação que fazem sentido tendo em conta o target, que ativações...
O Brand Manager é responsável por tudo isto.
Fazer com que tudo isso funcione em conjunto é o maior desafio?
Sim, a coerência é mesmo o maior desafio. Na Esporão não criamos só produtos, estes são uma materialização da marca e a marca tem de ser trabalhada, construída, porque é ela que vai perdurar na mente do consumidor. E, lá está, uma marca só ganha significado se todo o processo for consistente e coerente, do princípio ao fim.
Pelo contacto que tem com o mercado, acha que há visão de marca em Portugal?
Cada vez mais. E muito pelo papel das agências. Nos anos 90, as agências estavam direcionadas para a venda de publicidade, para ações pontuais. Entretanto mudaram o seu modelo e são muito mais estratégicas. Há agências que nos fazem parar para pensar, até, se o briefing está certo ou se é preciso repensá-lo para a marca.
Ou seja, as marcas não só têm sabido adaptar-se como têm conseguido levar esse conhecimento aos clientes, nos últimos anos. E, hoje, já são os próprios clientes a exigir essa postura mais estratégica aos seus fornecedores de comunicação.
O “Mais. Devagar.” tem sido um dos eixos de comunicação da Esporão. Como é que foi a recepção deste conceito pelos consumidores?
A campanha é uma afirmação daquilo que já é a missão da Esporão e a visão que a empresa tem na atuação no mercado. Mais do que fazer muito, é preciso fazer bom e bem.
É engraçado como tudo se encadeou: a campanha foi lançada em 2019, no ano seguinte surge a pandemia e esta traz a necessidade de reforçar o conceito do “mais devagar”.
Hoje este tema é recorrente, mas já há uns anos que percebemos que a sociedade estava a caminhar mais para a quantidade do que para a qualidade. Para o imediatismo.
Por isso, quando decidimos comunicar o que já fazíamos, através do conceito “Mais. Devagar”, a recepção foi muito boa. Tivemos muitos clientes a dizerem-nos que estávamos a falar de algo essencial, mas de que as marcas não queriam falar.
E a verdade é que isso se aplica a tudo o que fazemos: à vertente agrícola, à forma de produzir os vinhos, à preocupação com a sustentabilidade, à produção biológica na Herdade do Esporão e na Quinta dos Murças. Acreditamos que os cuidados que temos para não esgotar os solos, por exemplo, que esse respeito pela natureza é importante para a qualidade do que produzimos e para a sociedade em geral.
Refere que a campanha surge antes da pandemia, mas ela vem reforçar esse tema. Porque, mesmo fechados em casa, muitos de nós acelerámos em vez de abrandarmos. É isso?
Absolutamente.
Com a pandemia acelerámos tudo outra vez: percebemos que trabalhar em casa não é trabalhar menos. As pessoas pensam que estão em casa e que gerem melhor a vida. E sim, conseguem gerir melhor o seu horário, mas também trabalham muito mais.
Na empresa há a pausa para café, a conversa com o colega, a pausa do almoço…Em casa, às vezes, até enquanto fazemos o almoço estamos a trabalhar.
Acho que a sociedade, à procura da facilidade, se habituou ao imediatismo e entrou num stress e numa aceleração que não são bons. Talvez seja o momento de lembrarmos que nós, a natureza, a sociedade, temos um ritmo próprio. Se o acelerarmos demasiado não vai correr bem para ninguém.
As marcas acabaram por contribuir para isso…
É verdade, com a pandemia e os confinamentos começámos a criar lojas online, a olhar para o online como o único canal para comunicarmos com as pessoas, para vender... E as pessoas também se habituaram a estar muito mais expostas a cada vez mais mensagens das marcas e a ter acesso a tudo através dos ecrãs do telemóvel e do computador, o que fez com que voltássemos a acelerar.
Com tanta mudança, há novos desafios… quais são os seus principais, hoje, como Senior Brand Manager?
Esses de que estamos a falar, a adaptação dos produtos e mensagens a canais que antes não tinham tanta relevância.
Acho que o crescimento do online e a forma como temos de adaptar as nossas marcas ao digital são os principais desafios. As coisas mudaram: vendíamos vinho nos supermercados e restaurantes e tivemos de começar a fazê-lo online, diretamente ao consumidor.
Tudo isto exige adaptação e, na verdade ainda nos estamos a adaptar a esta nova realidade, isto leva algum tempo. Para ser bem feito é preciso ter uma estratégia bem pensada e, lá está... não é preciso ser tão depressa, tem de ser fazer bem.
Mesmo com o desconfinamento, essa preocupação com o digital mantém-se?
Sim, os consumidores ganharam hábitos de consumo online e não os vão perder. Esta digitalização do negócio é uma coisa que custa, mas que tem de ser uma aposta. Para além de serem os canais mais imediatos em termos de comunicação, os canais digitais são aqueles a que as pessoas têm mais acesso. As pessoas passam mesmo muito tempo nas redes sociais…
Para além disso, há alguma tendência na área que sente que tenha vindo para ficar?
Essa é a mais visível – o digital, em termos de contacto com o consumidor e como canal de venda, é uma tendência que veio para ficar. Mas do lado do consumidor, há outra, muito relevante, que tem impacto no setor dos vinhos: as experiências em casa.
Com os confinamentos, as pessoas habituaram-se a consumir mais em casa e melhoraram a sua experiência de consumo dentro de casa. Desafiam-nos a sair, é verdade, mas este hábito de ficar em casa, de receber pessoas em casa, de proporcionar aos amigos melhores experiências na nossa casa, não vai desaparecer.
Perguntas dos Embaixadores Triber
O Embaixadores Triber é um projeto para estudantes que gostem da área de marketing e que querem aprender mais sobre a área. Os candidatos selecionados recebem formações gratuitas dadas pelos profissionais da Triber e são expostos a desafios reais de empresas para aplicarem o seu conhecimento na prática.
Nesta Newsletter, convidamos os Embaixadores a colocarem questões aos entrevistados. Estas foram as duas perguntas da semana.
Até hoje, qual é a campanha na qual mais orgulho teve de participar?
Assim de repente, dos tempos de agência, lembro-me do lançamento da seguradora LOGO.
Na altura, o briefing chegou à Brandia sem sabermos sequer como se chamaria a seguradora. Tinha de ser 100% digital e low-cost. O resto, tínhamos de ser nós a desenvolver.
Tivemos uma equipa grande a pensar no projeto e eu fazia parte dela. Chegámos ao nome LOGO. Criámos a marca, em que o G do logo era um acelerador de um carro. Tínhamos um objetivo de 20 mil clientes no primeiro ano de atividade e atingimo-lo.
Agora, olho para a TV e vejo a humorista Joana Marques a fazer a comunicação da marca e penso: isto cresceu mesmo muito!
Saber que vi a marca nascer e que fiz parte da equipa inicial que a concebeu, é algo que recordo com orgulho.
Que conselho dá a alguém que queira começar agora na área de marketing?
Ser curioso e procurar que essa curiosidade se reflita nos projetos e desafios que vão surgindo.
A área de comunicação exige essa curiosidade, que procuremos coisas novas, que estejamos constantemente atualizados, atentos. Porque tudo muda muito rapidamente.
Como é que trabalhamos uma marca se não percebemos o contexto em que estamos inseridos? Se não procuramos perceber o mundo?
Uma vitória do Bolsonaro ou do Lula, no Brasil, pode ter muito impacto nos mercados de exportação de uma marca nossa, por exemplo. Alguém que não tenha o interesse de perceber todo este contexto, provavelmente não vai conseguir fazer a diferença.
Seja do lado do cliente, seja no da agência, não podemos ficar sentados à secretária a fazer aquilo que nos pedem para fazer. É preciso querer mais, procurar, acrescentar valor.
Ir passear e ver o que é que as pessoas estão a fazer na rua, ir ao teatro e ver o que é que as pessoas fazem no intervalo, andar pelo supermercado e perceber se as pessoas compram por impulso ou se vão com uma lista já feita...
Ser curioso é essencial para trabalhar nesta área.