📚Entrevista #8: José Pedro Marques da Silva, Senior Brand Manager da Mimosa - Triber Newsletter
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“Esta experiência mostrou-me que em marcas com este legado e dimensão, por muito que queiramos fazer diferente, é fundamental perceber que isso pode ser mau. O mais comum é passarmos por uma destas marcas e não se terem notado quaisquer diferenças. O mais surpreendente é que é exatamente isso que se pretende, porque é sinónimo de consistência.”
Hoje falamos com José Pedro Marques da Silva, Senior Brand Manager da Mimosa, marca de bens de consumo preferida dos portugueses pelo 10º ano consecutivo, segundo o ranking Brand Footprint, da Kantar Wordpanel.
Começou como professor de Matemática, mas cedo passou para a área de Business Intelligence da Sport Zone (Sonae), numa transição que o levou a Assistant Brand Manager da Super Bock em 2016. Representou Portugal nos Young Lions de Cannes, onde ganhou o bronze; e no Eurobest Young Marketers, onde conseguiu o desejado ouro.
Em 2017 tornou-se Brand Manager da área de Craft & Specialties da Super Bock, tendo sido responsável pelo lançamento da Coruja, com uma campanha que ficou na memória dos portugueses e que foi na shortlisted em Cannes.
Foi Global Brand Manager na Sogevinus de marcas como Cálem, Velhotes e Barros, antes de assumir as funções de Senior Brand Manager na Mimosa, onde está desde dezembro de 2020. Antes de começar a entrevista, José Pedro só fez uma exigência: que nos tratássemos por tu. Nós cumprimos, com gosto. 🙂
Hoje és Senior Brand Manager da Mimosa mas começaste como professor de Matemática. Como é que foi este percurso que te levou do Ensino até ao Marketing?
Olha, o sonho de dar aulas começou logo no 7º ano e pelo 9º ano decidi ser professor de Matemática. Durante o secundário foi nascendo alguma curiosidade pelo mundo da Gestão, mas mantive-me fiel ao objetivo inicial, fui para Matemática e cumpri o sonho de ser professor.
Comecei a dar aulas aos 20 anos, a alunos desde o 7º até ao 12º ano. A questão é que, apesar de ter adorado a experiência, senti que o ano seguinte ia ser muito semelhante. E isso levou-me a explorar outras aplicações da Matemática antes de decidir dedicar-me exclusivamente ao Ensino.
Por esta altura surgiu a oportunidade de entrar para a equipa de Business Intelligence da Sport Zone. Seis meses depois da minha entrada, a empresa precisava de alguém com um perfil analítico para a equipa de Marketing responsável pelo cartão de fidelização e foi aí que tudo começou a sério: aceitei o desafio e sentei-me ao lado de quem estava a trabalhar marca, comunicação e ativação digital. Essa área fascinou-me. Comecei a tentar a transição internamente, ficando responsável pela área dos estudos de mercado... e entretanto surgiu a oportunidade de ir para a Super Bock, a minha primeira experiência em marca.
Na Super Bock começaste como Assistant Brand Manager. Quais são os principais desafios de trabalhar uma marca que é uma referência na área e de que se espera sempre algo genial?
O maior desafio é esse mesmo: saber que se espera que saia sempre algo genial. É espetacular trabalhar a Super Bock mas é uma marca que, pelo histórico e notoriedade que tem, é alvo de um escrutínio diário de toda a gente dentro da organização e de muita gente fora dela.
Acredito sentias o mesmo trabalhando o Licor Beirão. Aliás, nessa altura havia aquela rivalidade saudável entre o Beirão e a Super Bock, em que era necessária muita rapidez para reagirmos em primeiro lugar a temas do dia que marcavam o real time marketing da altura e em que queríamos sempre sair por cima. Até chegámos a ter uma interação gira nas redes sociais em que a Super Bock acabou a convidar o Beirão para os 90 anos da marca.
Eu lembro-me… Foi das coisas em que mais gozo me deu participar! :)
Olhando para a experiência como um todo, qual é a principal lição que retiras dela?
Acho que a principal lição foi a importância da humildade. Na altura tinha 23 ou 24 anos e achava que sabia muito mais do que sabia. Esta experiência mostrou-me que em marcas com este legado e dimensão, por muito que queiramos fazer diferente, é fundamental perceber que isso pode ser mau. O mais comum é passarmos por uma destas marcas e não se terem notado quaisquer diferenças. O mais surpreendente é que é exatamente isso que se pretende, porque é sinónimo de consistência.
A marca tem de ir evoluindo, mas sem deixar de ser a mesma. Por isso é preciso ter a humildade de perceber que o que está em causa não somos nós, profissionais com ambição de fazer coisas novas e de fazer a diferença, mas sim a marca. Essa foi a lição mais importante e guardo-a comigo até hoje.
Essa lição era tão importante para tantas empresas portuguesas que não se preocupam em criar marca, não era?
É uma das razões pelas quais acho que o Marketing é tão maltratado em termos de perceção. Muitas pessoas acham que o Marketing é desnecessário e é um custo precisamente por falta de compreensão de por que é que é importante perder tempo com as bases da marca, antes de começar com o resto.
O lançamento da cerveja Coruja foi marcante para todos os que gostam de Marketing. Podes falar-nos um bocadinho sobre isso?
Claro. A Coruja é uma cerveja que nasce num momento de expansão do mercado das cervejas artesanais em Portugal. De repente, o consumidor ganhou consciência de que havia cerveja para além da pilsener e da stout que dominavam o mercado há mais de 50 anos. Já existia a Seleção 1927, com um posicionamento premium e gastronómico, mas esgotávamos aí a possibilidade de ter uma cerveja mais acessível dentro desta categoria.
Precisávamos de entrar num segmento mais alternativo. Para posicionarmos a marca neste contexto, achámos que o próprio lançamento tinha de fugir ao padrão. Ou seja, esta mensagem de que o produto era alternativo tinha de ser comunicada também na forma como a lançávamos para o mercado. Por isso, focámo-nos num segmento mais virado para o experimentalismo, o que criou aqui uma afinidade com os territórios mais criativos, com a própria necessidade de afirmação de uma individualidade nas escolhas que faz. A Coruja era uma cerveja algo antissistema. Criámos uma narrativa de um artista que nasceu com o nome “Coruja” num momento em que ainda não existia a cerveja Coruja. Esse artista começou a fazer umas intervenções de arte urbana, creio que em dezembro. Esteve uns 3 meses a divulgar o seu trabalho no Instagram, com as suas execuções simultâneas que iam aparecendo em Lisboa, Porto, Braga, Faro, Guimarães... O mistério adensou-se e gerou alguma conversa sobre quem era o Coruja, se era mais do que uma pessoa, ou só uma.
Foi dos projetos que mais te marcou?
Foi uma campanha que me deu um orgulho enorme fazer, mesmo. O projeto tinha começado com um colega meu, que criou o conceito do produto. Eu entrei já na fase de conceção da campanha e foi o projeto mais marcante que tive, por ter sido tão diferente e tão exigente em termos de implementação. Foi aí um exercício quer criativo, quer de media, espetacular; e do ponto de vista de estratégia foi uma aprendizagem brutal.
E a experiência em Cannes, como foi?
É uma experiência que recomendo a toda a gente. No primeiro ano fui representar Portugal, com o Mário Alves, pelos Young Lions e ficámos em terceiro lugar a nível mundial. Foi fantástico pelo espírito e sentimento de orgulho de fazer parte daquilo, mas acabamos por estar o festival todo focados em superar o desafio. E, confesso, saímos um bocado chateados com o Bronze porque achávamos que devíamos ter trazido algo mais. No segundo ano em que fui, pude aproveitar mais o festival e é fantástico porque lá encontras-te com todos os grandes nomes da indústria e consegues ver a importância estratégica que o Marketing e a Comunicação já têm em algumas marcas, o que cá nem sempre acontece.
De acordo com o ranking da Brand Footprint da Kantar World Painel, a Mimosa foi, pelo 10º ano consecutivo, a marca de bens de consumo preferida dos portugueses. O que é que isto significa, enquanto Brand Manager?
Em primeiro lugar significa orgulho. Mas, com ele, vem a responsabilidade. O estar consciente de que esta marca não pode falhar. Esta foi uma marca bem gerida até 2020 e cabe-me agora a mim levá-la para a frente, o que é uma responsabilidade enorme.
Quais são os ingredientes que estão na base deste sucesso, na tua opinião?
Antes de tudo, termos produtos que fazem falta aos portugueses e de que eles sentiriam falta se, de repente, desaparecessem das prateleiras. Isso foi construído ao longo do tempo e está alinhado com o propósito claro da marca: apoiar o desenvolvimento e crescimento das famílias portuguesas.
Esta missão é levada a cabo de diferentes formas. Alocamos muitos recursos tanto à investigação, como ao acompanhamento do consumidor. Queremos conhecer as suas preferências, antecipar tendências... e acho que é este foco em quem nos consome que é um dos grandes motivos pelos quais em 49 anos de existência, celebramos 10 como marca mais vezes comprada no supermercado em Portugal.
Em Portugal, muitas vezes, confunde-se o marketing com a comunicação. Mas, no vosso caso, o trademarking e a extensão da linha de produtos contribuem para a notoriedade, não?
Claramente. Hoje, encontras produtos Mimosa em muitos corredores de um hipermercado. Essa expansão de portefólio ajuda a reforçar a notoriedade da marca, porque ela está permanentemente em contacto contigo no momento da compra.
Isso traz desafios. A linha de produtos passa pelos leites, claro, mas também inclui, iogurtes, manteigas, probióticos, natas, leite condensado... Como é que se gere uma linha de produtos tão extensa, com targets diferentes, mantendo essa coerência da marca?
É difícil e é um dos principais desafios. Passámos de uma gestão por categoria de produtos para uma gestão por marca e dar essa consistência à marca é um trabalho diário. Hoje, quer comunique manteigas, quer comunique leite, estou sempre a comunicar Mimosa. E o que une esses produtos em torno de uma marca é o propósito da marca, que “é cuidar das famílias portuguesas”. Isso faz-se com o leite, que tem valor nutritivo, como com os iogurtes funcionais. Mas também se faz com o leite condensado ou com o chantilly, no sentido em que o bem-estar das pessoas hoje também integra fatores emocionais. O bem-estar mental é trabalhado com pequenos mimos como esse e, por isso, faz sentido falar em produtos que contribuam sempre para os portugueses, independentemente de acrescentarem um valor mais a nível físico e nutricional, ou mais mental e emocional.
Achas que isso é uma tendência que tem impacto noutras áreas?
O bem-estar mental, a lógica da balança entre o saudável e o indulgente é uma tendência que veio para ficar. Cada vez mais as pessoas, mesmo quando estão preocupadas com a dieta saudável e equilibrada, querem momentos de fuga. E isso é válido na alimentação como na vontade de se tentarem desligar do mundo, de vez em quando...
Isso apanha-nos a todos...
Significa que não basta despejar conteúdo e esperar que os consumidores o consumam. Plataformas como o TikTok estão a mudar a forma como se faz conteúdo para o digital e não é o facto de ser vídeo, é mesmo o de já não haver paciência para mensagens puramente comerciais. O consumidor está mais disperso e para ficarmos na cabeça dele temos de ser muito especiais naquilo que fazemos e a gastar o dinheiro que gastamos.
Essa eficiência é essencial na nossa área, hoje mais do que nunca: os orçamentos não estão a crescer, há cada vez mais concorrentes pelo mesmo espaço na cabeça ou na carteira do consumidor e, portanto, há menos oportunidades para impactar consumidores. Para triunfarmos, temos de ser muito bons a chegar às pessoas. E ser muito bom dá muito trabalho. É preciso estar em cima daquilo que está a acontecer e ter a humildade de dizer: “vou testar, vou ver se vai correr bem”.
Há uma clara mudança de poder da marca para o consumidor e, portanto, nós, marketers, temos de começar a mudar a mentalidade do push de mensagens que fazíamos, para uma análise de informações do consumidor e consequente adaptação de portefólios, comunicação, canais e estratégia para os satisfazer.