📚Gestão de marcas globais e mercados internacionais na PepsiCo - Entrevista a Nuno Pinto | Parte 2 de 2
Depois de, na primeira parte desta entrevista, percebermos mais sobre o seu trabalho atual, hoje focamo-nos no percurso internacional e na gestão de marcas globais ao longo da carreira de Nuno Pinto.
Esta é a segunda parte da entrevista a Nuno Pinto, Vice President of Innovation Commercialization de Global Foods da PepsiCo.
Depois de, na primeira parte desta entrevista, percebermos mais sobre o seu trabalho atual, hoje focamo-nos no percurso internacional e na gestão de marcas globais ao longo da carreira de Nuno Pinto. Fazemos uma passagem rápida pelos seus 25 anos de experiência e trazemos insights preciosos para qualquer marketer.
O percurso internacional foi algo planeado?
Não, nada. Se alguém me dissesse há 20 anos que ia passar por Portugal, pela Rússia e estar nos Estados Unidos nesta altura, não acreditava.
O que aconteceu foi que trabalhava na PepsiCo em Portugal e, na altura, a empresa fez uma reestruturação que juntou Portugal e Espanha. Isso fez com que as grandes decisões passassem a ser tomadas em Barcelona, o que me levou até lá.
Depois, o primeiro ano e meio foi atribulado por causa das viagens constantes para estar com a família, ainda por cima com uma criança acabada de nascer. Como percebemos que não estava a funcionar, acabámos por ir todos para Barcelona... pensámos que íamos sair de Portugal por 3 anos. Neste momento, já lá vão 18.
Pois, porque depois de Barcelona veio a Rússia...
Sim, surgiu a oportunidade de ir para Moscovo, para um mercado russo que estava a crescer bastante. Como gostámos da primeira experiência internacional, muito enriquecedora profissional e pessoalmente, arriscámos.
Para mim foi ótimo, porque passei de mercados desenvolvidos, pelo menos na nossa categoria, para um mercado em desenvolvimento com desafios completamente opostos.
Que diferenças é que notou no dia-a-dia?
Acho que a primeira coisa que notamos quando vamos para um mercado como o russo, completamente diferente, é que é preciso ser humilde. Há muita gente que pensa que por estar na Europa Ocidental sabe tudo. Mas estando num país em desenvolvimento, é preciso assumir que há muitas coisas que se aprendem e em que, afinal, a visão de lá é melhor do que a que tínhamos.
Eu tento sempre ter esta aprendizagem e humildade em mente. Já vi muita gente a chegar com um pensamento arrogante e a falhar redondamente. Trata-se de entender o mercado, entender como é que os consumidores pensam, como é que agem… E isso é um contexto completamente diferente do mercado em que estávamos antes.
Consegue dar-me um exemplo?
Sim, o Chain of Command é um caso claro. Quando saí de Espanha, e mesmo em Portugal, as decisões eram tomadas em colaboração e havia muito o hábito de pedir opiniões às pessoas com quem trabalhávamos.
Cheguei à Rússia e logo no primeiro ano fiz uma apresentação. No final, perguntei às pessoas que trabalhavam para mim o que é que tinham achado. Olharam para mim, meio surpreendidos, meio assustados, e disseram que estava tudo bem. Afinal, se eu era o chefe e tinha feito assim, então aquilo tinha de estar bem.
Este respeito pelo que o líder diz é fruto de uma sociedade que respeita muito essa “chain of command”. Sempre foram habituados a esse respeito pelo líder e isso é trazido para o dia-a-dia das empresas.
E em termos mais globais, de reação ao mercado como um todo...?
Também é muito diferente. Por exemplo, entre 2005 e 2014, tivemos um período de 10 anos em que era muito complicado crescer na Europa - tínhamos de trabalhar muito para crescer 3 ou 4%.
Mas num só ano na Rússia crescíamos 20% e no seguinte decrescíamos por volta de 10%. Era um mercado muito volátil e dependente da inflação, o que o tornava instável.
Só essa diferença, já nos obriga a tomar decisões completamente diferentes: num ano estávamos a pensar numa marca premium e no seguinte tínhamos de pensar numa marca a preços acessíveis. Navegar ao sabor desta volatilidade é muito desgastante.
A PepsiCo tem muitas marcas globais. Como é que essas marcas se adaptam aos vários mercados?
Há marcas globais que são realmente globais. Uma Pepsi, por exemplo... não há grandes adaptações a fazer. Mas numa Lay’s, por exemplo, uma das coisas que fazemos é adaptar os sabores que temos.
Aí sim, temos uma grande área de inovação. Há sabores específicos para cada mercado. Na América Latina temos o extremamente picante, que tem um sucesso brutal; na Rússia temos sabores com caviar, por exemplo. Há coisas que são realmente globais e depois há coisas que são específicas de cada mercado.
E em termos de posicionamento? As marcas têm posicionamentos diferentes dependendo do mercado?
Quando estamos a falar de uma marca global, dificilmente. Por exemplo, Doritos é o mesmo aqui, nos Estados Unidos, que no resto do mundo. Lay’s a mesma coisa. Há uma série de marcas em que o posicionamento não se altera. O que há é a criação de submarcas, como a Lay’s Gourmet, que existe em Portugal e Espanha, mas não noutros países.
A marca não tem um posicionamento diferente. O que tentamos é jogar dentro desse posicionamento com a criação de submarcas, extensões e afins, para torná-las mais locais. Tem muito a ver com as ocasiões de consumo e com os espaços que podemos atacar em cada mercado…
Tem menos a ver com o posicionamento, porque são marcas globais, extremamente conhecidas. Num mundo tão globalizado como o nosso, isso poderia causar problemas. Se alterássemos os posicionamentos de mercado para mercado tínhamos mais a perder do que a ganhar. Imagina que as pessoas viam o intervalo do Super Bowl e, de repente, a Pepsi era uma coisa completamente diferente no seu país de origem… Não ia correr bem.
Se tivesse de escolher uma campanha ou ação de que se orgulhe particularmente, qual seria?
Ui, tenho várias... Em Portugal, ainda sou do tempo de lançar os tazos.
A sério? Isso é uma marca na infância de uma geração inteira!
Sim, essa foi talvez das primeiras coisas em que participei. Não fui eu sozinho, claro. Ainda era Assistant Brand Manager, na altura. Foi a equipa de marketing da altura, mas eu estive nesse processo.
Depois, na Rússia, destaco o lançamento de healthy snacks, que foi muito importante.
Agora, em global, uma das coisas que fiz há 2 ou 3 anos foi mudar o modelo de inovação. Mudar a forma como fazemos e olhamos para a inovação, que implicou depois uma série de mudanças de estrutura e de organização, foi um grande desafio e os resultados foram extremamente positivos, o que me orgulha bastante.
Vou aproveitar para esclarecer uma curiosidade de muitos... Porque é que os tazos desapareceram?
As Inpack Promotions são boas quando queremos aumentar a penetração e frequência, mas depois tornam-se numa droga, no sentido em que não se consegue fazer mais nada. Tudo o que se investia em tazos não se estava a investir, por exemplo, na marca.
É um bocado como o “Buy One Get One Free”: são gastos diretos para aumentar as vendas, mas que podem não acrescentar nada a nível de valor de marca. Se isso acontecer, podem tornar-se uma espécie de droga, que funciona naquele momento mas que, uma vez retirados, a frequência e a penetração voltam outra vez para níveis iguais ou ligeiramente acima do que estavam antes. Portanto, funcionam como short term, mas não como sustainable long term strategies.
Se viesse a trabalhar uma marca portuguesa com recursos mais comedidos e com a ambição de se internacionalizar, quais eram as suas grandes preocupações?
Vou contar uma história que é uma caricatura, mas que responde a essa questão.
Uma vez, fui convidado para uma exposição de produtos portugueses em Moscovo e estava lá uma das minhas marcas preferidas, de espumante.
Cheguei lá e perguntei o que é que tinham trazido para mostrar às pessoas e disseram-me que tinham trazido o melhor: um espumante extra bruto (que até era o meu preferido). E eu perguntei-lhes: “Vocês vieram uma semana antes para verem o que é que os russos consomem? Ou perguntaram a alguém, ou viram alguma coisa sobre isso?”.
Não o tinham feito. Isso foi óbvio para mim, porque os russos adoram o espumante doce e não consomem tanto o bruto. Eles estavam a investir recursos e a tentar internacionalizar com uma estratégia completamente errada.
Às vezes, auscultar alguém no mercado, fazer uma visita prévia, ver o que os consumidores dizem, é o que basta para se poupar muito dinheiro. No limite, se tivessem comprado alguns dados percebiam logo que a estratégia estava errada. Porque apesar de algo ser muito bom para nós, portugueses, não significa que seja muito bom para as pessoas inseridas noutro mercado.
Isto para dizer que às vezes nós temos de ter a tal humildade de que falei no início. É preciso saber ouvir o sítio onde estamos. Essa seria a principal preocupação.